Luiza Helena Trajano é uma das mulheres mais poderosas do Brasil, mas não se identifica com esse rótulo e nem acredita que o seja, embora tenha sido reconhecida como personalidade do ano de 2020 pela Câmara do Comércio Brasil-Estados Unidos. Além de presidir o Conselho de Administração de uma das maiores empresas de varejo do País, o Magazine Luiza, ela lidera o grupo Mulheres do Brasil, que conta com a participação de mais de 120 mil personalidades femininas de diversas áreas. Mesmo diante das crises mais desafiadoras, ela se recusa a retrair seus negócios. Toda essa agitação tem gerado especulações sobre suas possíveis aspirações políticas, algo que ela nega. Embora seja apaixonada por política, considera-se apartidária e uma fervorosa defensora do Brasil. Sem dúvida, ela é uma das vozes mais influentes do empreendedorismo feminino e não nega suas origens, pelo contrário, tem muito orgulho de suas raízes interioranas. Apesar de ter concluído o curso de Direito, optou por se dedicar ao comércio, transformando a pequena loja da família em um império com mais de mil lojas físicas e líder no comércio online. Atualmente, o grupo emprega mais de 40 mil funcionários, que ela se comprometeu a manter mesmo durante a pandemia ao aderir ao programa Não Demita. Além de defender a diversidade e a inclusão social, ela inovou ao lançar um programa de trainees exclusivo para jovens negros.

A sra. já fez parte das líderes empresariais mais influentes do Brasil, sendo reconhecida como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. O que representou essa conquista?
Nunca planejei nada, mas sempre tive muita disposição de trabalhar, como sociedade civil, pela melhoria de nosso país. Acredito que esses reconhecimentos que só aumentam a minha responsabilidade, acabam vindo desse envolvimento.

Qual é o seu posicionamento em relação à política brasileira?
Todos nós somos políticos, e acredito que temos de atuar na política por meio de movimentos da sociedade organizada para não só reclamar de algo, mas também trabalhar por aquilo que acreditamos e melhorar o que achamos que não está certo. Quanto maior a participação de todos os segmentos, melhor a política, e existem caminhos para isso. É necessário buscar movimentos que nos representem e trabalhar neles.

“Minha tia Luiza foi uma empreendedora inigualável. Ainda estou muito abalada com sua morte” (Crédito: arquivo pessoal)

Como a senhora avalia a situação econômica do Brasil, especialmente diante dos desafios relacionados à inflação e ao desemprego?
Estamos sentindo melhora em todos os índices. A inflação está estabilizada, o que não justifica juros tão altos. Eles estão caindo, e espero que continuem caindo. O desemprego tem apresentado sinais de melhora, e acredito que, agora, mais crédito deveria ser injetado, especialmente nas pequenas empresas, que são as grandes geradoras de emprego. O Índice Antecedente de Vendas (IAV), produzido pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo, apresenta previsão de crescimento de 6% em março, 4,5% em abril e 4,9% em maio.

Quais reformas você considera mais urgentes para o País?
A Reforma Tributária, enfim, foi encaminhada, e acredito que alguns ajustes devem ser feitos, pois sua implantação é a longo prazo, mas é preciso discutir novas reformas, como a política e a administrativa, entre outras, até pela necessidade de modernização do Estado, pois todas podem ajudar a diminuir a desigualdade social.

Como a sra. vê a Reforma Tributária aprovada pelo Congresso?
Foi um passo importante, mas ainda haverá um longo processo de implantação e existem muitos pontos que, tenho certeza, serão discutidos e amarrados com estados e municípios. Há muito tempo eu participava de reuniões sobre a necessidade da Reforma Tributária, mas nada era feito, agora avançamos.

Quais são seus compromissos político e social fora da estrutura partidária, especialmente em relação ao papel das mulheres na política brasileira?
Meu compromisso é por meio do Mulheres do Brasil, grupo apartidário que reúne mais de 120 mil mulheres em todo o país e no exterior. Estamos iniciando uma campanha que luta pelo aumento da representatividade das mulheres na política e queremos nos mobilizar para alcançarmos 50% de ocupação por mulheres nas próximas eleições. Não é só ter 50% de candidatas, mas termos, de fato, metade das cadeiras no Executivo, Legislativo e no Judiciário, já que somos mais da metade da população. E isso não é ser contra os homens, é termos a equidade nos poderes de decisão do país.

Como a sra vê a importância da presença feminina no governo?
Não tem como criar políticas públicas para a população sem mulheres totalmente envolvidas no processo, por isso insistimos tanto no aumento de representatividade. As mulheres fazem a diferença na gestão. Já é comprovado que empresas com políticas de equidade conseguem mais resultados, e isso quem pesquisou foi a Bolsa de Valores. Na administração pública é a mesma coisa: mulheres têm uma visão diferenciada para os problemas e criatividade nas soluções.

Como a crise das Lojas Americanas afetou a sua empresa?
Toda crise, em qualquer empresa, nos deixa muito tristes, pois afeta todo o varejo e é muito ruim para o mercado.

Sua tia, Luiza Trajano Donato, faleceu recentemente. Qual é a influência dela, na sua trajetória?
Total, eu ainda estou muito abalada. Minha tia Luiza foi uma empreendedora inigualável, que comprou uma lojinha no centro de Franca, bem em frente onde trabalhava como balconista, e sem dinheiro para pagar a segunda prestação. Ela deixa um grande legado que faz parte da cultura do Magazine Luiza hoje e sempre, de dedicação aos clientes, de valorização do trabalho e de enfrentamento de crises. Tenho certeza de que ela teve uma vida plena e feliz.

A sra. gosta de ter influência política?
Eu acredito que as políticas públicas são o que realmente transformam um país. Você pode fazer a diferença por meio de instituição, ONG ou qualquer outra iniciativa que você preferir. Mas são as políticas públicas que têm o poder de mudar um país. Infelizmente, existe um estigma negativo em torno da política, pois ser político muitas vezes é associado a ser de um partido ou de outro. Eu sou uma política desde que nasci, pois defendo causas desde sempre. Por exemplo, o Magazine Luiza canta o hino nacional, todas as segundas-feiras, há 25 anos. Tenho paixão por este País. No entanto, isso não significa que eu precise estar filiada a um partido político. Eu respeito e admiro aqueles políticos que escolheram a política como profissão e que fazem um bom trabalho. Não é justo generalizar todos como pessoas ruins.

“Além da Tributária, precisamos discutir novas reformas, como a política e a administrativa, para a modernização do Estado” (Crédito:Zeca Ribeiro)

A sra. não tem atuação partidária nenhuma, certo?
Acredito que a sociedade civil tem um papel importante na formulação de políticas públicas, por isso criamos o Mulheres do Brasil. Somos um grupo apartidário, mas trabalhamos em prol das políticas públicas. Queremos mudanças por meio dessas políticas e, com a união das 120 mil mulheres que atuam ao nosso lado, temos força para influenciar e aprovar pautas que consideramos benéficas para o País. Acredito que, ao nos envolvermos com causas e não com partidos, podemos ser ouvidas e obter um maior impacto.

Em julho de 2017, ocorreu uma tragédia na qual a gerente de uma unidade da rede de suas lojas foi assassinada pelo marido. Após esse acontecimento, a sra. decidiu assumir a responsabilidade de abordar o tema dos feminicídios. Isso foi importante?
Desde menina sou muito envolvida com diversidade, racismo, contra qualquer tipo de desigualdade. Tanto que fundei o Mulheres do Brasil e hoje esse grupo trabalha com 20 causas, entre elas violência contra a mulher, racismo, LGBTQIA+, educação e tantos outros.

A sra. assumiu a liderança na defesa pública do programa de trainees exclusivo para pessoas negras na empresa. Apesar de enfrentar críticas nas redes sociais, o programa foi criado com o propósito de corrigir a disparidade existente nos cargos de alto nível entre os funcionários. A implementação de cotas é um processo importante para corrigir desigualdades?
Agora que estou muito mais envolvida, acho que a causa da mulher e do negro teve um avanço muito grande, mas nós temos de por mais mulheres e negros em Poderes, em cargo político, judiciário e empresarial, porque temos 52% de mulheres e 50% negros. Fizemos pouco até aqui, mas avançamos muito.

A questão da paridade salarial tem sido um tema amplamente discutido nos últimos anos. A nova lei nos deixa a um passo da igualdade de gênero?
A nova lei que favorece a igualdade salarial é um avanço significativo, mas ainda há desafios a serem superados. É importante reconhecer que a mudança real não acontecerá apenas por meio de leis, mas também exigirá uma transformação na mentalidade da sociedade. A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema complexo, que reflete tanto questões históricas quanto estruturais.

É inaceitável que uma mulher receba menos do que o homem apenas por ser mulher. A desigualdade salarial é uma injustiça que deve ser combatida. No entanto, é preciso ir além da legislação para promover uma mudança duradoura. É fundamental que tanto as empresas como as mulheres se conscientizem da importância de ocupar cargos de liderança e buscar oportunidades de crescimento profissional. A paridade salarial não pode ser alcançada apenas por meio de uma caneta, mas sim de ações concretas e conscientização. A nova lei é um passo na direção certa, mas não é a solução final. É necessário um esforço conjunto de toda a sociedade para garantir que as mulheres tenham as mesmas oportunidades e remuneração justa. A igualdade salarial é um direito básico e um reflexo de uma sociedade igualitária. Devemos continuar lutando por essa causa e trabalhar para eliminar qualquer forma de discriminação de gênero no ambiente de trabalho.